Inteligências Open Source

Por Felix Stalder / Jesse Hirsh (trad.: Monty Cantsin)

Source: Conspiração Anti-cultural Universidade Invisível,
http://www.midiaindependente.org/es/blue/2004/02/274077.shtml
Originally Published in FirstMonday, Vol. 7, Issue 6 (June 2002)


INTELIGÊNCIA OPEN SOURCE
Em um mundo de espiões e fantasmas, a Inteligência Open Source (IOS)
significa informação útil retirada de fontes públicas, como jornais,
listas telefônicas e listas de preços. Usamos o termo de forma
diferente. Para nós, a IOS é a aplicação dos princípios
colaborativos desenvolvidos no movimento do Software Open Source ou
Software Livre à pesquisa e análise da informação. Esse princípios
incluem: resenhas de pares, autoridade baseada em reputação - ao
invés de sanções -, livre distribuição de produtos e níveis
flexíveis de envolvimento e responsabilidade.

Da mesma forma que a maior parte da Internet em geral, incluindo o
movimento do Software Livre, a prática precede a teoria também no caso
da IOS. Muito da tecnologia central da Internet foi criada para
facilitar a livre distribuição de informação entre os pares. Isso
inclui comunicações bilaterais de forma que a informação possa ser
não só distribuída eficientemente, mas também avaliada
colaborativamente.

Listas de e-mail - a forma mais simples de todas as plataformas de IOS - existem
desde os anos 70. Nos anos 80, BBSs como a
FidoNet e a Usenet proveram plataformas de IOS controladas pelos
usuários com funcionalidades mais especializadas e sofisticadas. Nos
anos 90, muitas dessas plataformas foram eclipsadas pela emergência da
WorldWideWeb o trabalho seminal de Tim Berner-Lee sobre padrões de rede
foi guiado por uma visão de colaboração de pares entre cientistas
distribuídos pelo globo. Ainda que precedentes da IOS venham
acompanhando a história da Internet - e se forem incluídas as
publicações acadêmicas com resenhas feitas pelos pares, muito antes
disso -, uma série de eventos recentes levam-nos a considerá-la um
fenômeno distinto que lentamente encontra sua própria identidade,
amadurecendo de uma prática "em si" em uma prática "para si". Projetos
como a lista de e-mails Nettime, a Wikipedia e o site NoLogo.org têm
histórias distintas que os levaram a desenvolver estratégias técnicas
e sociais diferentes e realizar alguns ou todos os princípios
colaborativos do open source.

A cultura da Internet como um todo têm mudado. O espírito de livre
compartilhamento que caracterizava os primeiros dias está cada vez mais
sendo desafiado por estruturas de controle orientadas pela mercadoria,
que têm tradicionalmente dominado as indústrias de conteúdo. Nesse
ponto, ao invés de ser a norma, o livre compartilhamento de
informação vêm se tornando uma resistente exceção, em parte porque
a paisagem regulatória vêm mudando. A extensão do copyright e a
perseguição cada vez mais violenta aos violadores são tentativas de
criminalizar ainda no berço uma net.culture de forma a expandir o
modelo de mercadoria, que está encontrando sérias dificuldades nos
ambientes digitais.

Anos de experiência com a ascensão e queda dos fóruns que foram
"proto-IOS" acumularam-se para tornarem-se um tipo de processo de
aprendizado social-conectivo. Incontáveis listas de e-mail surgiram nos
ciclos de explosão, enormes quantidades de newsgroups cresceram e
então caíram devido à pressão de comportamentos anti-sociais. O spam
tornou-se um problema. Discussões infinitas berraram contra a censura
imposta por moderadores de fóruns, debates controversos sobre a
propriedade dos fóruns surgiram (será que são os usuários ou os
provedores que são os donos?), dificuldades foram encontradas ao tentar
alcançar qualquer consenso e grupos flutuantes e pouco integrados. O
resultado condensado dessas experiências é a percepção de que uma
prática de IOS sustentável é difícil de ser alcançada e que novas
soluções devem ser desenvolvidas de forma a sustentar o delicado
equilíbrio entre a abertura e uma razão sinal/ruído saudável. Em
outras palavras, a auto-organização precisa de ajuda.


. Princípios colaborativos do open source

Um dos precedentes da inteligência open source é o processo de resenhas
e revisões feitas por colegas acadêmicos. Quando a academia
estabeleceu-se, na falta de autoridades fixas e absolutas, o
conhecimento tinha de ser estabelecido através de um processo
experimental de criação de consenso. No centro desse processo está a
revisão por colegas, a prática na qual os pares avaliavam os trabalhos
uns dos outros, ao invés de apoiarem-se em juízes externos. A
especificidade do processo de revisão é variável, dependendo da
disciplina, mas o princípio básico é o mesmo. O consenso não pode ser
imposto, devendo ser alcançado. Vozes de dissenso não podem ser
silenciadas, exceto através do árduo processo de estigmatização
social. Obviamente, nem todos os colegas são realmente iguais, e nem
todas as vozes carregam o mesmo peso. As opiniões das pessoas a quem
uma boa reputação foi concedida pelos pares carregam mais peso. Como a
reputação deve ser acumulada com o tempo, essas vozes autoritativas
tendem a vir de membros estabelecidos do grupo. Isso dá à prática de
revisão por colegas uma tendência inerente de conservação,
particularmente quando o acesso aos colegas é estritamente policiado,
como é o caso da academia, onde diplomas e agendamentos são
necessários para entrar no círculo de elite.

O ponto aqui é que a autoridade de alguns membros do grupo - que pode,
às vezes, distorcer o processo de construção do consenso - é
atribuído a eles por esse grupo, e dessa forma não pode ser mantida
contra a vontade dos outros membros do grupo. Se seguirmos a teoria de
Max Weber de que o poder é a habilidade de "impor vontade sobre o
comportamento de outras pessoas", isso limita significativamente o grau
a que membros estabelecidos podem acumular poder. Eric Raymond tinha as
mesmas limitações em mente quando notou que os projetos open source
eram normalmente rodados como "ditaduras benevolentes". Eles não são
benevolentes porque as pessoas são de alguma forma melhores, mas porque
a ditadura é baseada quase exclusivamente na habilidade das pessoas em
convencer os outros a seguir sua liderança. Isso significa que a
coerção é quase não-existente. Assim, um ditador que não é mais
benevolente e aliena seus seguidores perde sua habilidade em ditar.


A habilidade em coagir é limitada, não somente porque a autoridade é
baseada na reputação, mas também porque os produtos que são
construídos através de um processo colaborativo estão disponíveis a
todos os membros do grupo. Recursos não se acumulam dentro da elite.
Desta forma, abandonar o ditador e desenvolver-se em uma direção
diferente - conhecido como "forking" no movimento do Software Open
Source - é relativamente fácil e sempre uma ameaça para os jogadores
estabelecidos. O livre compartilhamento dos produtos produzidos pela
colaboração entre todos os colaboradores - tanto em suas formas finais
quanto intermediárias - certifica que não existam "monopólios de
conhecimento" que iriam aumentar a possibilidade de coerção.

O livre compartilhamente de informação - nesse caso, o código, oposto
ao desenvolvimento do software - não tem nada a ver com altruísmo ou
uma visão social especificamente anti-autoritária. É motivado pelo
fato de que, em um processo colaborativo complexo, é efetivamente
impossível diferenciar entre o "material bruto" que vai junto com um
processo criativo e o "produto" que surge dele. Mesmo os maiores
inovadores apóiam-se nos ombros de gigantes. Todas as novas criações
são construídas em criações prévias e elas mesmas provém
inspiração para criações futuras. A habilidade de utilizar e refinar
livremente essas criações prévias aumenta as possibilidades de
criatividade futura. Lawrence Lessig chama isso de um "campo comum de
iniciação", e cita-o como uma das maiores razões para o rápido
e inesperado desenvolvimento da Internet como um todo (The Future of
Ideas, 2001).


Também é importante notar que uma característica muito citada da
colaboração open source são os graus flexíveis de envolvimento e
responsabilidade pelo processo que podem ser acomodados. A pressão para
participar de um projeto é extremamente baixa. Contribuições valiosas
podem ser tão pequenas quanto esforços únicos - um aviso de bug, um
comentário penetrante em uma discussão. Igualmente importante,
entretanto, é o fato de que as contribuições não são limitadas a
somente isso. Muitos projetos também tem contribuintes dedicados
full-time, que muitas vezes são pagos, que mantém os aspectos centrais
do sistema - como os mantenedores do kernel, os editores de um site
slash, etc. Entre esses dois extremos - contribuições únicas e
dedicação full-time -, todos os graus de envolvimento são possíveis
e úteis. Também é fácil aumentar ou diminuir a escala de envolvimento.
Conseqüentemente, pessoas dedicadas assumem responsabilidades quando
investem tempo no projeto, e perdem algumas quando param de estar
imersos nele. As hierarquias são fluidas e baseadas em méritos, o que
quer que mérito signifique aos pares. Isso também torna difícil que
membros estabelecidos continuem a manter suas posições quando param de
fazer contribuições valiosas. Em organizações voluntárias, isso é
normalmente um problema maior, já que contribuintes antigos algumas
vezes tentam basear sua influência em contribuições antigas, ao
invés de deixar que as organizações mudem e desenvolvam-se. Nenhum
desses princípios foram "inventados" pelo movimento open source.
Entretanto, eles foram atualizados para o trabalho na Internet e
fundiram-se em um todo coerente no qual cada princípio reforça o outro
em uma maneira positiva. As tendências conservativas da revisão por
colegas são contra-balançadas com o acesso relativamente aberto ao
grupo: uma diferença maior em relação à academia, por exemplo.

Mais importante, a prática do open source têm provado que esses
princípios são uma boa base para o desenvolvimento de conteúdos
complexos que podem competir com os produtos produzidos por estruturas
de controle orientadas por mercadoria.

. Exemplos de Inteligência Open Source

I > nettime

A nettime é uma lista de e-mail fundada no inverno de 1995 por um grupo
de produtores culturais e ativistas midiáticos durante um encontro na
Bienal de Veneza. Como afirma sua homepage, a lista foca-se em
"culturas, políticas e táticas em rede" (www.nettime.org). Seu
conteúdo real é quase que inteiramente dirigido pelas mensagens
enviadas pelos membros. É um bom exemplo de comunicação
muitos-a-muitos verdadeira. A nettime chama sua própria prática de
"filtragem colaborativa de textos". O filtro é a própria lista - ou,
para ser mais preciso, as capacidades cognitivas das pessoas na lista. A
lista consiste de pessoas com habilidades iguais - ainda que não
necessariamente interesses iguais - em ler e escrever. A prática da
revisão por colegas toma lugar tanto na lista quanto no "mundo real".

A lista serve como um sistema de avisos para a comunidade, um fórum de
discussão para textos encaminhados assim como uma quantidade razoável
de escritos originais, e, igualmente importante, um canal alternativo de
mídia. Essa última função tornou-se mais proeminente durante a guerra
na Iugoslávia, quando muitos membros que viviam na região publicaram
suas experências de estar no lado receptor de bombas
não-tão-inteligentes e não-tão-precisas.


Por volta de Março de 2002, o número de assinantes cresceu para 2500.
O número de pessoas que lêem os posts da nettime, no entanto, é maior
do que o número de assinantes da lista. A nettime mantém um arquivo
público na rede que é acessado extensivamente, e alguns dos assinantes
das listas são listas eles mesmos. Também, como uma lista de boa
reputação, muitos dos posts são encaminhados por assinantes
individuais para listas mais especializadas (outro tipo de filtragem
colaborativa de textos).

A maioria dos assinantes vêm da Europa Ocidental e da América do
Norte, mas o número de membros de outras regiões é bastante grande.
Durante os anos, listas autônomas em outras línguas surgiram:
holandês, romênio, espanhol/português, francês e mandarim. Apesar do
seu crescimento de diversidade, a nettime alcançou um alto grau de
discussão cultural coerente por uma esquerda tecnófila mas crítica
estilo europeu, que salienta a importância dos aspectos culturais e
sociais da tecnologia, assim como a importância da arte, da
experimentação e do trabalho manual. Essa coerência flexível têm
sido reforçada através de uma série de projetos no "mundo real", como
publicações em papel, incluindo uma antologia (Readme! ASCII Culture
and the Revenge of Knowledge (1999)), e uma série de conferências e
"encontros nettime" na Europa durante os anos 90.


Desde sua criação, a lista têm rodado com o majordomo, um pacote de
lista open source popular, e em arquivos organizados na rede.
Tecnicamente, a lista passou por pouco desenvolvimento. Inicialmente,
por mais de três anos, a lista era aberta e não-moderada, refletindo
as relações próximas do ainda pequeno círculo de assinantes e a
atmosfera "clubinho" da net.culture em geral. Entretanto, depois que o
spam e as flame wars tornaram-se comuns, e a deterioração da razão
sinal/ruído começou a ameaçar a viabilidade da lista, a moderação
foi introduzida. No majordomo, uma lista moderada significa que todos os
posts vão para uma fila de espera e os moderadores - chamados
"list-owners" em uma terminologia infortuita - decidem quais posts irão
para a lista e quais serão deletados. Essa tecnologia torna a
moderação um processo opaco e centralizado. Os muitos membros da lista
não podem ver que posts não foram aprovados pelos poucos moderadores.
É compreensível que, no caso da nettime, isso tenha levado a muitas
discussões sobre censura e moderadores "ditatoriais". A discussão era
particularmente inóspita no caso do alto tráfego de ASCII-art e
spam-art que podem ser vistas tanto como uma experimentação criativa
com a mídia quanto uma invasão destrutiva de um espaço discursivo.
Deletar spams comerciais, entretanto, era universalmente aceito.

De forma a tornar o processo de moderação mais transparente, uma lista
adicional foi introduzida em fevereiro de 2000, a nettime-bold. Esse
canal têm carregado todos os posts que entram na fila antes da
avaliação dos moderadores. Como essa lista também é arquivada na net,
os membros podem ver por eles mesmos as diferenças entre o que foi
mandado para a lista e o que foi aprovado por moderadores. Em adição
ao aumento de transparência na lista, ter acesso a todos os posts criou
a opção para que os membros implementem critérios paralelos mas
alternativos de moderação. Na prática, entretanto, isso ainda não
ocorreu. Ainda assim, dar aos membros essa opção transformou o status
dos moderadores de administradores exclusivos das decisões para
"filtros confiáveis". Também proveu a possibilidade de "forking"
(i.e., a lista dividindo-se em dois fóruns diferentemente moderados).


A nettime é administrada inteiramente por voluntários. Tempo e recursos
são doados. Os produtos da nettime estão livremente disponíveis para
membros e não-membros. Até mesmo as publicações em papel estão
disponíveis integralmente nos arquivos da nettime. Refletindo sua
história e também a diversidade de seus contribuintes e mensagens, a
nettime sempre manteve a regra de que "você é dono de suas próprias
palavras". Os autores decidem como lidar com a redistribuição de seus
próprios textos, ainda que, para sermos francos, é difícil ter
controle sobre a pós-vida de um texto depois que ele foi distribuído
para 2500 endereços e foi arquivado na internet.

Apesar de suas muitas vantagens - facilidade de uso, poucos
requerimentos técnicos para participação, envio direto das mensagens
para as caixas de entrada dos membros -, o formato de lista de e-mail é
claramente limitado quando se pensa em criação colaborativa de
conhecimento. A moderação é essencial quando a lista alcança uma
certa diversidade e reconhecimento, mas as opções de como efetuar
essa moderação são poucas. A solução da nettime - o estabelecimento
de um canal adicional não-moderado - não mudou essencialmente o fato
de que há uma hierarquia estrita entre moderadores e assinantes. Ainda
que o envolvimento seja flexível (variando de lurkers a contribuintes
freqüentes), a responsabilidade é inflexivelmente restrita aos dois
papéis sociais fixos permitidos pelo software (assinante e moderador).
O canal adicional também não mudou as opções binárias de
moderação: aprovação ou deleção. As capacidades sociais
construídas no software de lista de e-mails continuam relativamente
primitivas, assim como as opções para projetos de IOS. 


II > wikipedia.com

A Wikipedia é um resultado da Nupedia. A Nupedia, uma combinação da
licensa GNU e enciclopédia, como o nome indica, é um projeto para criar
uma enciclopédia inspirada e moralmente apoiada por Richard Stallman
(www.gnu.org/encyclopedia/free-encyclopedia.html). Entretanto, à parte
de ser publicada sob uma licensa de Conteúdo Aberto, a estrutura da
Nupedia é similar ao processo editorial tradicional. Especialistas
escrevem artigos que são revisados por um grupo de editores
especialista (com algum auxílio público através da seção "artigo em
progresso") antes de serem finalizados, aprovados e publicados. Quando
publicados, os artigos estão acabados. Dado o processo extensivo, não
é de se surpreender que o projeto têm desenvolvido-se em tempo
geológico.

A Wikipedia começou no início de 2001 como uma tentativa de criar algo
similar - uma enciclopédia livre que iria ao fim ser capaz de competir
com a Enciclopédia Britannica -, mas foi desenvolvida através de um
processo diferente e muito mais aberto. Os dois projetos são correlatos
mas independentes - a Nupedia cria links para artigos na Wikipedia se
não têm entradas para uma palavra-chave, e algumas pessoas contribuem
para ambos os projetos, mas a maioria não o faz.


A plataforma tecnológica do projeto é chamada Wikiweb, assim chamada
por causa da palavra hawaiana wikiwiki, que significa rápido
(www.wiki.org). O software foi originalmente escrito em 1994 e
recentemente reescrito para melhor lidar com o volume rapidamente
crescente da Wikipedia. A plataforma Wiki incorpora um dos conceitos
originais de Berner-Lee para a Web: permitir que as pessoas não somente
vejam o código-fonte, mas também que editem livremente o conteúdo das
páginas que vêem. No rodapé de cada Wikipage está a opção "editar
essa página", que dá ao usuário acesso a um formulário simples que
permite que mude o conteúdo da página. As mudanças tornam-se efetivas
imediatamente, sem serem revisadas por um grupo ou até mesmo pelo autor
original. Cada página também tem uma função de "histórico", que
permite que os usuários vejam as mudanças e, se necessário, revertam
a uma versão antiga da página.

Nesse sistema, escrever e editar são atividades coletivas e
cumulativas. Um escritor que vê uma omissão ou erro em um artigo pode
imediatamente corrigi-lo ou adicionar a informação que falta. Seguindo
a máxima da revisão por colegas do open source, formulada por Eric
Raymond como "dados globos oculares suficientes, todos os erros são
rasos", isso permite que o projeto cresça não só em número de
artigos, mas também em termos da profundidade dos artigos, que aumenta
com o tempo através do input coletivo dos leitores. Como a revisão e o
processo de melhoria são públicos e em processo, não há diferença
entre versões beta e de lançamento da informação (como há na
Nupedia). Os textos mudam continuamente. A revisão por colegas torna-se
edição por colegas, resultando no que Larry Sanger chamou de "a mais
promíscua forma de publicação".


Pelo menos no que concerne o crescimento, o projeto têm sido altamente
bem-sucedido. Em 12 de fevereiro de 2001, passavam-se de 1.000 páginas,
e em 7 de setembro de 2001, 10.000 artigos. Em seu primeiro ano de
existência, mais de 20.000 entradas de enciclopédia foram criadas - é
uma razão de 1.500 artigos por mês. Ao fim de março de 2002, o
número de artigos ultrapassava 27.000. A qualidade dos artigos é algo
diferente e difícil de julgar em geral. Uma busca casual traz alguns
artigos que são muito bons e muitos que não o são. É claro que não é
surpresa, dado o fato de que o projeto é ainda muito jovem. Muitos dos
artigos funcionam mais como convites para adições do que fontes de
referência úteis. No momento, muitos textos têm um ar meio
"graduação", o que é apropriado, já que o projeto acabou de terminar
seus "primeiros anos". Ainda está no ar se o projeto irá se graduar.


Tanto a Nupedia quanto a Wikipedia têm sido apoiados por Jimbo Wales,
CEO da companhia de ferramentas de busca Bomis, que doou espaço de
servidor e largura de banda para o projeto. O código-fonte foi reescrito
por um estudante da Universidade de Colônia, Alemanha, e por pouco mais
de um ano, Larry Sanger manteve uma posição full-time (através da
Bomis) de editor-chefe da Nupedia e organizador-chefe da WIkipedia. Em
janeiro de 2002, a grana acabou e Larry desistiu. Ele agora contribui
como um voluntário. Existem aproximadamente 1.200 usuários
registrados, mas, já que é possível contribuir-se anonimamente, e
muitas pessoas o fazem, o número real de contribuintes é provavelmente
maior.

A Wikipedia não sofreu com a resignação de seu único contribuinte
pago. Parece ter alcançado, ao menos no momento, a massa crítica
necessária para manter-se vibrante. Como qualquer um pode ler e
escrever, o editor pago não tinha um status especial. Suas
contribuições era primariamente cognitivas, porque ele tinha mais
tempo do que qualquer um para editar artigos e escrever as regras
iniciais de edição e os FAQs. Sua influência foi totalmente baseada
em reputação. Ele podia, e o fez, motivar pessoas, mas não podia
forçar ninguém a fazer qualquer coisa contra a sua vontade.

Os produtos da enciclopédia estão disponíveis livremente a qualquer
um. Os textos são publicados sob a Licensa de Conteúdo Aberto
(www.opencontent.org). Essa licensa afirma que os textos podem ser
copiados e modificados para qualquer objetivo, conquanto a fonte
original seja creditada e o texto resultante seja publicado sob a mesma
licensa. Não somente os texos individuais estão disponíveis - todo o
projeto, incluindo sua plataforma, pode ser baixado como um único
arquivo para fazer mirrors, leituras offline ou qualquer outro uso.
Efetivamente, nem mesmo o administrador do sistema pode controlar o
projeto.

A escala de envolvimento pessoal no projeto é altamente flexível, indo
de simples leitor que corrige um erro menor ao autor que mantém uma
entrada extensa, passando pelo editor que continuamente melhora as
entradas de outras pessoas. Esses papéis dependem inteiramente do
compromisso de cada contribuinte, e não são pré-configurados no
software. Todos têm as mesmas capacidades de edição.


Até agora, o projeto sofreu pouco do tipo de vandalismo que pode se
esperar dadas as suas capacidades de edição aberta. Existem diversas
razões para isso. Por um lado, os autores e contribuintes que colocaram
seus esforços na criação de uma entrada têm bastante interesse em
manter e melhorar os recursos, e, devido à função de "histórico de
mudanças", páginas individuais podem ser restauradas com relativa
facilidade. A última versão da plataforma contém uma característica
que manda alertas a pessoas que as requerem toda vez que uma página
específica for alterada. A outra razão é que o projeto ainda tem um
caráter "comunitário", de forma que parece haver um certo sentimento
compartilhado de que se trata de um recurso valioso que deve passar por
manutenção correta. Finalmente, no caso de diferenças em relação ao
conteúdo, em geral é mais fácil criar uma nova entrada ao invés de
letar por uma já existente. Essa é uma das grandes vantagens de espaço
infinito.
Até agora, a auto-regulação funciona muito bem. Resta saber
quanto tempo a razão de crescimento atual pode ser sustentada, e se ela
realmente traduz-se em uma melhora na qualidade em relação a artigos
enciclopédicos escritos individualmente. Até agora, as perspectivas
parecem boas, mas existem poucos exemplos da dinâmica a longo prazo de
projetos abertos desse tipo. Dado o fato de que a Enciclopédia
Britannica foi publicada pela primeira vez em 1768, o desenvolvimento a
longo prazo é claramente essencial para esse projeto.



III > nologo.org


O NoLogo.org é talvez o mais proeminente dos sites da segunda geração
com o slashcode. Isso faz dele um bom exemplo de como a experiência das
IOS, incorporadas em um código específico, está agora em um estágio
em que pode ser replicada em diferentes contextos com relativa
facilidade. O NoLogo.org é baseado na versão atual e estável do
Slashcode, uma plataforma open source lançada sob a licensa GPL, e
desenvolvida para e pela comunidade Slashdot. O Slashdot é um dos mais
bem conhecidos e óbvios exemplos de IOS, dado que é um dos principais
sites de notícias e discussão para o movimento open source
(www.slashdot.org).

De particular importância para as IOS é o processo de moderação
colaborativa suportado pelo código. Usuários que contribuem com boas
histórias ou bons comentários sobre histórias são recompensados com
"karma", que é essencialmente um sistema de pontos que permite que as
pessoas construam suas reputações. Assim que um usuário tenha
acumulado um certo número de pontos, pode assumir mais
responsabilidades, e até mesmo moderar os comentários de outras
pessoas. Pontos de karma têm uma meia-vida de aproximadamente 72 horas.
Se um usuário pára de contribuir, seus privilégios expiram. Cada
comentário pode ser avaliado por diversos moderadores diferentes, e a
nota final (de -1 a +5) é uma média de todos os julgamentos dos
moderadores. Uma boa contribuição é aquela que recebe notas altas de
múltiplos moderadores. Esse sistema cria um tipo de processo duplo de
revisão por colegas. O primeiro é o conteúdo da discussão em si onde
as pessoas respondem umas às outras, e o segundo é o ranking único de
cada contribuição.

Essa solução para a moderação refere-se a diversos problemas que
atormentam as listas de e-mail de forma elegante. Primeiro, o processo
de moderação é colaborativo. Nenhum moderador pode impor sua
preferência. Segundo, moderação significa julgamento, e não
deleção. Mesmo comentários julgados a -1 podem ser lidos. Terceiro,
usuários ajustam suas preferências individualmente, ao invés de
permitir que um moderador ajuste-os para todos. Alguns podem gostar do
estranho mundo dos comentários -1, enquanto outros podem querer ler
somente os poucos que conseguiram um +5. Finalmente, o envolvimento é
baseado reputação (i.e., karma) e flexível. Como a moderação é
colaborativa, é possível imputar-se privilégios de moderação
automaticamente. Os moderadores têm um controle bastante limitado sobre
o sistema. Como uma camada adicional de feedback, os moderadores que
acumularam ainda mais pontos através de um trabalho consistentemente
bom podem "meta-moderar", ou julgar outros moderadores.


O potencial social incorporado no Slashcode estava disponível quando o
livro "Sem Logo" de Naomi Klein tornou-se um best-seller. No despertar
dos protestos anti-globalização em Seattle em novembro de 1999, e
depois, o livro começou a vender na casa dos 10.000 e então dos
100.000. Naomi encontrou-se pega em uma batalha entre novas e velhas
mídias e face a um problema peculiar. Um livro é uma forma altamente
hierárquica e centralizada de comunicação - existe somente um único
autor, e um número muito grande de leitores. É centralizado porque
os usuários formam uma relação com o autor, ao mesmo tempo em que
mantém-se isolados uns dos outros. Esse desequilíbrio no modelo de
transmissão normalmente não é um problema, já que faltam aos leitores
canais de feedback eficientes.

Entretanto, hoje muitos leitores têm e-mail e começaram a achar o
endereço de e-mail de Naomi na internet. Ela começou a receber e-mails
em massa, pedindo comentários, conselhos e informações. Não havia
como administrar esses e-mails seriamente e responder a todos de forma
correta. O desequilíbrio entre as necessidades da audiência e as
capacidades da autora eram simplesmente muito grandes, particularmente
tendo em vista que Naomi nunca quis estilizar-se como líder ou guru do
movimento anti-globalização (é óbvio que isso não impediu a mídia
de massa de fazê-lo sem o seu consentimento). Como ela explica a idéia
por trás do NoLogo.org: "queríamos um lugar onde leitores e
pesquisadores interessados nessas questões pudessem falar diretamente
uns com os outros, ao invés de falar comigo. Também queríamos
desafiar a absurda percepção da mídia de que eu sou 'a voz do
movimento', provendo uma breve visão da amplitude de campanhas,
assuntos e organizações que fazem essa poderosa rede ativista -
poderosa precisamente porque insistentemente repele todas as tentativas
de forçá-la à hierarquização tradicional" (nologo.org/letter.shtml).


O livro, que tocou num nervo para muitas pessoas, criou uma "comunidade"
global e distribuída de leitores isolados. O livro proveu um foco, m
as nenhum lugar para ir exceto ao autor. O site baseado no slashcode
proveu uma plataforma já existente para que os leitores tornassem-se
visíveis uns aos outros e quebrassem o isolamento criado pelo livro. O
livro e a plataforma de IOS são complementares. O livro é uma
solidificação momentânea e pessoal de um movimento bem fluido e
heterogêneo. A análise coerente que o autor tradicional pode produzir
ainda tem muito valor. A plataforma de IOS, por outro lado, é um
reflexo da multiplicidade dinâmica do movimento, uma forma de devolver
algo aos leitores (e outros) e um processo de aprendizagem conectivo.

Mais do que o livro, o NoLogo.org funde ação e reflexão.

É claro, todos os problemas que estão tradicionalmente associados com
fóruns públicos estão lá, o dissenso - algumas vezes vitriólico e
destrutivo - ganha voz, mas o sistema de moderação permite aos membros
do grupo lidarem com diferenças em opinião de formas que não impedem
a vitalidade do fórum. O processo de aprendizado do Slashdot, em termos
de como lidar com essas questões, beneficiou o NoLogo de forma
significativa. Durante o primeiro ano, 3.000 usuários registraram-se no
site, que responde a pedidos de aproximadamente 1.500 visitas
individuais por dia.




. O Futuro das IOS

Como prática distinta, a Inteligência Open Source ainda é bem jovem.
Entretanto, existem pelo menos três razões para manter-se otimista em
relação ao futuro. Primeiro, o processo de aprendizagem
sócio-tecnológico está se aprofundando. As plataformas e práticas da
IOS estão tornando-se melhor entendidas, e conseqüentemente os
problemas tanto para usuários quanto para provedores estão diminuindo.
Do lado dos usuários, a experiência de como lidar com uma mídia
participativa, ao invés de de transmissão, aumenta cada vez mais. Um
caráter distinto começa a ser desenvolvido, dominado e apreciado. Para
os provedores, a experiência de aprendizagem das IOS está conectada a
softwares sofisticados e livremente disponíveis sob a licensa GPL. Os
custos iniciais para novos projetos são mínimos, e as possibilidades
de adaptar-se as plataformas às necessidades idiossincráticas de cada
projeto são maximizadas. A diversidade resultante, por sua vez,
enriquece o processo de aprendizagem conectiva. Segundo, enquanto a
mídia de massa converge em um número cada vez menor de conglomerados,
que impiedosamente promovem e controlam sua multidãao de produtos
midiáticos, a necessidade de canais alternativos de informação surge,
pelo menos entre as pessoas que investem tempo e energia cognitiva em
serem criticamente informados.

Dada a economia de uma mídia de massa guiada por publicidade, torna-se
claro que o valor de um "jornal alternativo" é bastante limitado.
Plataformas de IOS, ao distribuírem o trabalho através da comunidade,
oferecem a possibilidade de alcançar uma maior audiência sem
tornarem-se sujeitos das mesmas pressões econômicas que a mídia de
transmissão e impressão encontram para entregar essas audiências aos
anunciantes, particularmente se considerarmos o fato que assinaturas
pagas permitem acesso a conteúdo livre de publicidade.

Quanto mais homogênea a mídia tradicional se torna, mais espaço se
abre para alternativas. E, se essas alternativas são viáveis, não
devem limitar-se a um conteúdo alternativo, mas também explorar a
estrutura de sua produção. É essa a promessa e o potencial da IOS.
Finalmente, o campo em si torna-se mais e mais profissional. Uma nova
camada intermediária de organizações está emergindo, focando-se
especificamente no desenvolvimento de IOSs, particularmente na mistura
de plataforma tecnológica e comunidade social.

A amplitude de tecnologias é tão grande quanto a amplitude de
comunidades, e uma relação próxima existe entre as duas. As
tecnologias abrem e fecham possibilidades no mesmo sentido que as
comunidades sociais o fazem. Como Lawrence Lessig apontou, o que o
código é para o mundo online, a arquitetura o é para o mundo físico
(Code and Other Laws of Cyberspace, 1999). A forma como vivemos e as
estruturas em que vivemos têm relações profundas. A cultura da
tecnologia cada vez mais torna-se a cultura de nossa sociedade.

Tornar potencial e objetivo congruentes é o objetivo dessa camada
intermediária emergente de provedores profissionais de serviços de
IOS. Isso contribui para o crescimento das redes de IOS para além dos
mundos geeks do Slashdot e muitas de suas crias. O que esses grupos
tentam prover é o papel e a presença de uma facilitação social em
relação à cultura de uma sociedade imersa na tecnologia.

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